Depois do sucesso estrondoso de Ainda Estou Aqui e sua consagração histórica com o primeiro Oscar nacional, parecia que o cinema brasileiro precisaria de anos para voltar a brilhar com uma produção que conquistasse crítica e público de forma tão unânime. No entanto, O Último Azul, dirigido por Gabriel Mascaro, surge como um forte concorrente a consolidar novamente o país no cenário internacional, trazendo uma narrativa poderosa, visualmente impactante e emocionalmente envolvente.
Ambientado na Amazônia, o longa projeta um futuro distópico e isolado, em que o governo brasileiro transfere idosos para uma colônia habitacional destinada a “desfrutar” os últimos anos de suas vidas. Nesse contexto sombrio, a personagem Tereza, interpretada com sensibilidade por Denise Weinberg, embarca em uma jornada inesperada. Antes de se submeter ao exílio compulsório, Tereza decide realizar seu último desejo: voar pela primeira vez. É nesse ponto que o filme se transforma em mais do que uma distopia: ele se torna uma narrativa de resistência, autodescoberta e conexão profunda com a natureza.
Brasil ganha primeiro Oscar, mas sem reparação histórica
A trama não deixa de remeter a clássicos do gênero, como O Conto da Aia, em que a liberdade individual é cerceada por sistemas autoritários. Em O Último Azul, porém, a reflexão vai além da política e alcança o terreno do etarismo, expondo de forma sensível e urgente como a sociedade muitas vezes marginaliza os idosos e ignora sua autonomia e dignidade. A jornada de Tereza, assim, funciona como uma metáfora necessária sobre compaixão, empatia e os valores que definem a humanidade.
Os cenários de O Último Azul revelam um Brasil ainda pouco conhecido

Rodrigo Santoro interpreta um piloto de barco que decide ajudar Tereza a concretizar seu sonho, e ao longo da viagem, encontra em si mesmo novos caminhos e decisões que mudam seu próprio destino. O encontro com um habitante místico da Amazônia adiciona à história um elemento quase folclórico, evocando a força ancestral e espiritual da floresta, que se apresenta como personagem silencioso e determinante na narrativa. Além deles, Adanilo e a atriz cubana Miriam Socarrás completam o elenco.
Visualmente, O Último Azul impressiona pela ousadia estética. Mascaro optou por gravar o filme em formato quadrado, o que confere às imagens uma sensação de intimidade e intensidade, concentrando o olhar do espectador no presente, no gesto, na emoção. A trilha sonora, hipnótica e cuidadosamente trabalhada, transforma os rios, florestas e cenários da Amazônia em poesia cinematográfica, criando momentos de contemplação e encantamento.
À medida que Tereza se liberta de seu destino imposto e das convenções sociais, o espectador é levado a refletir sobre suas próprias escolhas, limitações e anseios. A viagem pelo rio, portanto, funciona como metáfora para o amadurecimento e para a busca de significado na vida, tornando-se uma experiência que toca a alma e provoca introspecção. É como se Mascaro nos convidasse a percorrer não apenas os rios da Amazônia, mas também os rios internos de nossas próprias emoções.
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Em Berlim, O Último Azul alcançou a maior média de notas entre críticos credenciados, manteve 100% de aprovação no Rotten Tomatoes e recebeu três importantes premiações: o Urso de Prata – Grande Prêmio do Júri, o Prêmio do Júri Ecumênico e o Prêmio do Júri de Leitores do Berliner Morgenpost, concedidos paralelamente à competição principal.
É um filme que celebra a vida, mesmo diante da morte, e que nos lembra da importância de sonhar, resistir e buscar liberdade em qualquer fase da existência. Provavelmente, O Último Azul vai encontrar uma concorrência pesada com O Agente Secreto, novo filme escrito e dirigido por Kleber Mendonça Filho e protagonizado Wagner Moura na corrida pela estatueta. Mas isso não o deixa menos merecedor de sua atenção.