Filme musical inova, mas não evolui jornada de Arthur Fleck
Quando Coringa estreou nos cinemas, conquistou um feito inédito. Primeiro de criar um drama ambientado no universo de super-heróis da DC, mas que não dependia dele para o seu sucesso. O segundo foi de coroar Joaquin Phoenix com o prêmio de melhor ator no Oscar (algo que Heath Ledger também conseguiu, de maneira póstuma, ao conquistar a estatueta de melhor ator coadjuvante por sua atuação em Batman – O Cavaleiro das Trevas).
Mas no mundo do entretenimento replicar o sucesso de uma obra não é uma tarefa fácil. E, neste caso, um tanto decepcionante.
Coringa 2: Delírio a Dois tem como missão apresentar a Arlequina (interpretada por Lady Gaga), ao passo que ela se torna uma figura importante na vida de Arthur Fleck. Internado em um hospital psiquiátrico, ele é obrigado a lidar com ambiente ainda mais hostil do que o vivenciado na sua vida em liberdade.
Assim como o primeiro longa-metragem, a história é um manifesto à loucura, uma prova de que a sociedade em que vivemos é responsável por criar seus próprios vilões. Desprezado durante toda sua vida, inclusive pela mãe, Arthur é mais uma história (infelizmente) que conhecemos em nosso cotidiano. Todos que deviam protegê-lo o abandonaram e o crime surge como um grito de socorro. Essa é uma das características únicas e cativantes de Coringa, o que lhe afasta de um vilão caricato, e o transforma no principal pesadelo do Batman. Afinal, Bruce Wayne caminha em uma linha tênue entre acreditar na justiça ou fazê-la com as próprias mãos.
A ideia do diretor Todd Phillips era criar uma história onde a música serve como válvula de escape para o personagem, onde ele pode demonstrar realmente quem é. A estratégia funciona bem, em partes. Há cenas memoráveis, como da cena da fuga do Coringa e de Harley Quinn. Boa parte dessas cenas encaixam-se com perfeição na história, mas há outras passagens desnecessárias, como as apresentações excessivas no tribunal.
O problema de Coringa 2 é a falta de evolução do roteiro, que ficou centrando na condenação de Arthur Fleck. Diferente do primeiro longa, onde vimos a evolução do personagem, os seus piores pesadelos tomando forma e a sua inevitável transformação, aqui não há nenhuma reviravolta. É um projeto concebido, exclusivamente, para surfar o hype do sucesso.
Mesmo assim Joaquin Phoenix e Lady Gaga ainda entregam perfomances interessantes, capazes de salvar a sequência da ruína. Joaquin segue com a sua capacidade performática de personificar um homem completamente alheio à realidade, que transita entre a maldade e a inocência, entre vitimismo e a vilania. Tais reflexões são colocadas constantemente em debate ao espectador. Seria o Coringa uma criação de uma sociedade doente?
Quanto à Arlequina é uma pena que os roteiristas não souberam aproveitar a personagem da forma que ela merecia. Mesmo com a pegada mais cômica de Esquadrão Suicida, a versão de Margot Robbie com certeza vence a batalha. Harley Quinn tem apenas um propósito em Coringa 2: levar Arthur Fleck ao embate de quem realmente ele é. Ela é quem manipula, e não quem é manipulada. Não conhecemos a sua história, não exploramos o seu passado, não vemos além da primeira aparência. Somente somos apresentados a sua loucura, a sua obsessão. Lady Gaga merecia mais. Os fãs mereciam mais.
A crítica pode parecer um tanto exigente quanto à sequência, e ela realmente é. No entanto, confesso que a experiência de assistir à Coringa 2 ainda é infinitamente melhor do que a de apreciar os novos filmes da Marvel que caíram em declínio após o encerramento da saga dos Vingadores.
Então, não deixe de ir ao cinema por conta dessas ressalvas. O problema é que o primeiro longa do vilão estabeleceu um padrão tão alto, que a decepção era quase inevitável. Talvez, seja essa a prova de que o que é bom, dificilmente fica melhor.