Quando Ryan Murphy anunciou sua parceria com a Netflix, muitos imaginaram qual seria o resultado da junção de uma mente tão criativa com uma plataforma de alto investimento em produções originais. A primeira série – The Politician – apesar de contar com atrizes renomadas como Gwyneth Paltrow e Jessica Lange causou pouco alvorço. Com Hollywood – que estreou essa semana no catálogo – Murphy fez questão de prestigiar o cinema.
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Com um trabalho extenso na TV, ele já mostrou ser um grande adorador da fama. Gosta de abordá-la em diversas facetas, seja pelo glamour (Feud), pela juventude (Glee) ou pela crueldade (American Crime Story: Versace). Em Hollywood, Murphy optou por expor o lado lúdico dos atores que desembarcam na cidade dos sonhos em busca do estrelato.
A minissérie é ambientada durante a Era de Ouro do mundo do entretenimento, após a Segunda Guerra Mundial, e segue um grupo de aspirantes a atores e cineastas, que tentam se destacar apesar de tudo contra eles.
O obstinado diretor de cinema Raymond Ainsley (Darren Criss) decide produzir o filme de um roterista negro e homossexual chamado Archie Coleman (Jeremy Pope). Lutando contra o tradicionalismo da Ace Pictures, ele dá a oportunidade do papel principal para sua namorada, Camille, que também é negra. Para conseguir o sinal verde da produção, Raymond conta com a ajuda da esposa do proprietário, Avis Amberg (Patti LuPone). Ela é uma dondoca submissa que assume os negócios da família, após o marido machista sofrer um enfarte.
Pela sinopse, é perceptível que a intenção de Murphy é abordar questões como racismo, homofobia, sexismo e dinâmica de poder. Ou seja, tudo o que envolve a indústria do entretenimento desde sua origem.
O seriado toma a liberdade de reconstruir a trajetória de muitos atores e atrizes da vida real. O melhor exemplo é do astro Rock Hudson. Por conta da época e para preservar sua carreira, o ator nunca pode assumir sua homossexualidade publicamente. Na série, sua jornada toma um novo rumo quando ele decide viver livremente ao lado de Archie. O grande problema é a maneira leviana que Murphy aplica nesta livre adaptação biográfica. Em uma fala, o personagem aparece afirmando que “Se eu fosse como você explodiria meus miolos”, ao conversar com um homem que tinha dificuldades em dizer que era gay. Na verdade, Hudson passou parte de sua vida escondendo detalhes de sua intimidade, sendo perseguido pela imprensa e até causou-se com uma mulher para evitar que um escândalo arruinasse sua reputação na indústria cinematográfica.
Ao mesmo tempo, Jim Parsons vive um agente sem escrúpulos, inspirado em Henry Wilson, que ajudava jovens a alcançar a fama em troca de satisfazer seus desejos sexuais. Qualquer semelhança com Harvey Epstein, em sua maior crueldade, não é mera coincidência. Aliás, para quem duvidou que Parsons não seria capaz de se livrar do estigma de Sheldon Cooper, Hollywood prova que ele está disposto a se reinventar.
A questão é que Murphy errou na medida ao elaborar uma trama dos sonhos, ambientada em uma cidade em que tudo é possível. A submissão dá lugar ao feminismo, o racismo é substituído pela liberdade e o amor vence todas as situações de ódio. Unidos, eles são capazes de vencer qualquer coisa! No início, a transformação agrada o espectador com grande entusiasmo. Assistir ao filme Meg ganhando vida e ver as barreiras sendo desconstruídas geram grande satisfação e sensação de representatividade.
O que não conta a favor de Hollywood é a carga excessiva de positividade. Principalmente nos dois últimos episódios, em que a narrativa toma rumos mais previsíveis com desfecho de contos de fadas. Murphy pode ter exagerado nos seus desejos de um final feliz para todos os personagens e no fato de Meg ter faturado estatuetas demais no Oscar. No final, a minissérie adquiriu ares de um programa juvenil. Tudo pareceu perfeito demais. E nós sabemos que a indústria cinematográfica não é tão agradável assim. Mesmo nos dias de hoje…